quarta-feira, novembro 29, 2006

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Cafetaria

Olhares cruzam-se na pressa do movimento mecânico, condutor do corpo que desliza em direcção à rua
Lá fora ar fresco, não frio, a face em reconhecimento desenha um sorriso leve, dupla motivação
Outro comum cruzar de olhares, não.
Sim, duas almas estranhas vislumbram-se, naquele momento veloz
Olharam-se

Um olhar
Tão célere quanto o movimento que os levou a cada um para o lado oposto do outro, no mesmo espaço, no mesmo tempo, e os afastou impiedosamente
Um vislumbre, apenas

Não importa a causa
Mas o movimento
prolongado para além do esperado, do convencional
O virar da cabeça dele, acto-reflexo, acompanha o rosto dela
Alma em evasão, escapando-se corajosa, ingénua ao
pensamento ditador - as regras
Audácia num virar de cabeça
desajeitado, infantil, saboroso
[talvez não desejasse parar ali, naquele momento irrepetível, mas perpetuar num ímpeto o olhar, a surpresa..]
Imagem doce
Repetida em flash backs de intenção
Imagem retida
Efémera, na alma.

Novembro, 2006
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terça-feira, novembro 28, 2006

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HAPINNESS

So early it's still almost dark out.
I'm near the window with coffee,
and the usual early morning stuff
that passes for thought.

When I see the boy and his friend
walking up the road
to deliver the newspaper.

They wear caps and sweaters,
and one boy has a bag over his shoulder.
They are so happy
they aren't saying anything, these boys.

I think if they could, they would take
each other's arm.
It's early in the morning,
and they are doing this thing together.

They come on, slowly.
The sky is taking on light,
though the moon still hangs pale over the water.

Such beauty that for a minute
death and ambition, even love,
doesn't enter into this.

Happiness. It comes on
unexpectedly. And goes beyond, really,
any early morning talk about it.


Raymond Carver
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quarta-feira, novembro 22, 2006

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:/
Robert Altman
(menos um dos bons..)
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terça-feira, novembro 21, 2006


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des(encontros)


Há encontros casuais e inesperados, repentinos que nos deixam semi-desamparados, a baloiçar entre o que devemos de ser naquele momento e o que nos apetecia mais ser se fossemos sempre aquilo que somos. Ou entre o que devemos de fazer e o que honestamente gostariamos de fazer.
Sob a aparência do "tudo corre bem, está tudo óptimo", este encontro não foi causa de maior transtorno, deixou sim, um sabor de nervoso miudinho a subir-me pelo esófago, ao início, um ligeiro estertor no corpo que foi esmorecendo - ainda fui verificar-me depois, num espelho, à procura das habituais manchas vermelhas mas nada, e pensei, não correu assim tão mal, porque haveria?, não percas tempo com o que não tem importância, para quê essa inquietaçãozinha, se afinal de contas, e contas feitas, a vida continua, o tempo passa (O Tempo Não Pára cantava o meu 'amigo ' Cazuza), zangam-se as comadres, juntam-se os amantes, as andorinhas voltarão aos cinco ninhos daquele beiral, do teu beiral e o sol irá queimar de novo as paredes da tua casa no Verão, a amizade continua a dizer-se como dantes, os dias nunca acontecem iguais mas é quase como se acontecessem, sabes que de quando em vez, alguma coisa surge que te trará alegria, os teus olhos vão continuar a pousar-se nas árvores frondosas e belas que encontras, eles vão continuar a subir, sempre, para o céu curandeiro de todas as enfermas banalidades. Esse céu que é tantas vezes só teu...
"Está tão bonita....sabe, eu gosto muito de si, continuo a gostar.." e aquele olhar é uma mescla de embaraço com emoção, de sinceridade com educação. Aquilo que somos e aquilo que temos de ser. Não correu mal. Porque haveria?
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quarta-feira, novembro 15, 2006

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gregory crewdson



> Untitled, da série Twilight, 1998-2002 <
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Alice
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Nunca, que me recorde, vi a expressão da Tristeza tão soberbamente expressa na face de um actor português..num filme português. E já tanto foi dito sobre o filme que me limito a parcas palavras...com uma fotografia intensa e bela (Lisboa azul de desespero e ruído), ficam-me as imagens sublimes da obsessão e da angústia, que é para mim o que este filme consegue de melhor: trazer-me, no silêncio, nos silêncios, aquela inimaginável solidão. O arrepio melancólico na música de Bernardo Sassetti, a osmose perfeita.
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terça-feira, novembro 14, 2006

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Children of Men






Depois de ver Children of Men, de Alfonso Cuarón, lembrei-me do filme E Tu Madre También do mesmo realizador, e da distância que marca as duas obras. Esta última eu acho-a belíssima.
Children of Men, ao narrar uma distopia com um sabor a 'é só isto?' que surge no final, depois de cenas de um nihilismo atrofiante em relação a um futuro provável (será?), com revolucionários sem grande moral e uma humanidade perdida na (in)continuidade da espécie, fá-lo com base em alguns clichés dispensáveis é certo, mas trás ali qualquer coisa de perturbadoramente atractivo ao olhar: como se alguém tocasse numa ferida putrefacta, de uma forma que podia ser mais inteligente, é certo, mostrando-nos que ainda se pode curá-la. Ou não? A cena do carro é brutal e muito bem filmada, e Clive Owen, para variar, não desilude nada. 3/5 é a minha nota.
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segunda-feira, novembro 13, 2006

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Dans Paris



Duris.
Irrésistible.

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quinta-feira, novembro 09, 2006

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O essencial, o necessário, o essencial..

Ontem coloquei a questão a mim mesma: "Vou fazer greve?". E coloquei-a porque não tinha uma decisão tomada, não estava claro na minha mente - como ainda não o está, parece-me.. - se era ou não uma ideia para levar avante. A hesitação está pendurada, é bom que o diga, essencialmente pelo fio do vil metal: um dia de greve é o equivalente a muitos euros em falta no orçamento já de si parco por estes dias. E é um fio forte, este, como se feito de aço.
Depois, bom, depois assolam-me outras ideias, menos práticas, são sobretudo princípios a que eu posso chamar ironicamente de Valores da Razão Não-Prática, e que fazem parte de mim. Não sei se nasceram comigo, se estão por cá à priori, mas sei que em determinada altura da minha vida eles foram crescendo e tornaram-se mais ou menos fortes, saudáveis, pareciam-me.
Um deles é o da Justiça - lutar por aquilo em que acredito, talvez mais até do que isto (acredito que 'as coisas devem ser justas', sempre) é importante para mim (e recorrente) a ideia de lutar por aquilo em que vale a pena acreditar.
O outro é o da Liberdade. A liberdade na escolha, a liberdade enquanto possibilidade de escolher, de optar por uma entre várias possibilidades, acima de tudo esta.
E a Dignidade. Mais um valor especial, talvez o mais importante para mim, pois que um homem pode perder tudo na vida, mas a sua dignidade....bom....a sua dignidade não.
Gostava de acreditar que ainda estão saudáveis, estes valores, dentro de mim. Que isto não anda tudo muito doente cá por dentro...
Como dizia, gostava de acreditar que são saudáveis, dentro de mim, onde cresceram ao longo dos anos espicaçados por um ambiente familiar e social propício, estes valores que admiro, de que preciso, que ainda quero na minha vida. E é nesta fase que surge a dúvida, quando tenho de escolher entre o 'valor' Dinheiro (esmagadoramente irredutível) e estes valores essenciais e tão mais necessários quanto o pão que se leva à boca todos os dias.Porque seria por eles que eu iria demonstrar que o primeiro é um valor de menor importância - ainda que esta demonstração, a forma de o fazer, possa estar moribunda e viciada, ainda é a melhor que conheço e que me oferece esta sociedade onde labuto - quando pressinto que estes estão ameaçados. Porque há muitas formas de um homem se sentir ameaçado e preso, e injustiçado e a perder indelevelmente a sua dignidade.
Amanhã é outro dia, até lá, vou exercer o meu direito de reflexão, vou hesitar entre o essencial e o necessário, e entre o necessário mas não essencial. E que me perdoe a minha consciência se não tiver a coragem para o fazer.
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quarta-feira, novembro 08, 2006

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A Estação

Deslocou-se sem pressas, vagarosamente pois. O rodopio em seu redor deixando um rasto de confusão. Mas não estava perdido. Por fim parou. Sentou-se.
Teve medo. Tanto. Deixou-se ficar por ali, só.
Teve tanto tempo. Minutos transformados em eternidade. Tempo de parar, de paragens. Ou, o tempo das ilações concretas.
Gente cirandando. Cheiros, ruído, doçura de um olhar. Desgaste.
Pensou por si, para si. Só, sentado no desconforto da rudeza dos materiais. A ilusão maior que a certeza.
Não teve companhia para compartilhar o espaço que ocupava. Recordou..Fechou-se para o mundo. De olhos semi-cerrados, recordou.
[jamais, naquele lugar se iria sentar..parar.]
O burburinho, o chiar de travões metálicos. Transformações imediatas pela sensação.
Tudo lhe veio. Suavemente. Invasão. Mente cansada e invadida.
Depois, sonolentamente, entreabriu os olhos: angustiante placidez.
E desconcerto.
Mas no seu rosto depressa se desenhou um sorriso suave, quase invisível.
Nunca fora um homem de certezas.
Morreu sozinho sentado na dureza que lhe oferecia o mundo, no meio do som da multidão atarefada, entranhando-se-lhe no corpo.

Morreu no som da multidão.
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terça-feira, novembro 07, 2006

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os Joy Divison

"À parte a exploração, a hipérbole e a insidiosa invenção duma 'lenda', os Joy Division merecem a atenção que a sua originalidade exige. Não eram a salvação do Rock, como se apregoava, nem tão-pouco a salvação de nada. E, no entanto, o segundo e último álbum, postumamente editado - Closer - é um trabalho vigorosamente diferente daquilo que costumamos chamar Rock. Para já, é um álbum desavergonhadamente triste.(....) Os Joy Division são impecavelmente trágicos - desde os textos resignados e suavemente desiludidos, até à'morrinha' da sua música. Quase que poderíamos dizer - doem...
Closer é limpidamente belo - tem a transparência silenciosa da solidão, sem nunca se transformar em auto-compaixão ou sentimentalismo. É o momento em que nos damos fé duma tristeza insolúvel, e da futilidade de a combater. Não há revolta - apenas um lento despertar, corajosamente assumido e aceitado. O encanto principal dos Joy Division não é o virtuosismo, ou sequer a criatividade da música - é, sobretudo, uma inesquecível sinceridade, despida de efeitos especiais, que se transmite, dir-se-ia por osmose sensível, a quem a ela se expõe."

in Escrítica Pop, Miguel Esteves Cardoso, Assírio & Alvim
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segunda-feira, novembro 06, 2006

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Câmara Clara
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Duas mulheres bonitas, inteligentes, cultas. 'Frente a frente ' que é lado a lado - como elas estão, ao lado uma da outra, ainda que de frente uma para a outra. E isso reflecte-se na cumplicidade dos olhares; muito vivos, atentos, ávidos, simpáticos os seus olhares.
Uma, é escritora e jornalista. A outra é jornalista. Falam enternecedoramente sobre literatura, romances, leitura, leitores, escrita, escritores, criatividade, vida, morte, loucura, literatura. São momentos de pura e emocionante comunicabilidade. Como se uma onda de energia feita disto, saltasse para dentro de quem assiste, vinda do ecrã. Um raio de energia inteligente, feminina. E depois sorrio, quando recordo a frase brincalhona de um amigo que diz não existirem muitas mulheres mais inteligentes do que homens:) Uma brincadeira, é certo, conduz-me mais uma vez ao interessante no universo feminino, nos universos femininos assim expostos....o masculino - esse fascinante universo - já descobri sê-lo, há muito!:)
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Câmara Clara, na 2:, sextas-feiras às 22:30h
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sexta-feira, novembro 03, 2006

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playing...under a sheltering sky
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foto: unickymous
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