quarta-feira, abril 18, 2007

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Uma carta para ti

No início, foi um fraquinho por ti. A primeira entrevista, todas as outras que se seguiram. O documentário. Depois, o palpitar do meu coração perante a frase lançada qual flecha de cupido que não vê, mas.. pim! atingida inesperada e inequívocamente.
Li-te e não consegui ler-te. Não sei porquê. Ou não sei explicar-te o porquê, se não sei como argumentar a minha desistência perante a dificuldade em ler-te. Os teus livros, apenas. Acompanhei levemente a tua vida, mais ou menos a par do que ias fazendo. Fui ver-te duas vezes, ouvir-te falar. Comovem-me as tuas palavras ditas. A tua voz. Há uma suavidade inviolável, sublime, no tom da tua voz, de vez em quando...foi isso. Foi apenas isso, foi tudo nisso.
Também me desesperam algumas palavras tuas, pesadas e despropositadas, algumas palavras tuas. Mas admiro-te. Aprendi a escutar-te, sei ler-te nas entrelinhas. Leio-te na pessoa, não no escritor de romances. Poderei fazê-lo, assim, quase levianamente?
São enternecedoras quase todas as tuas crónicas. Li algumas das cartas que escreveste em África, na guerra, para a tua mulher. Cartas de amor, são ridículas, dizia o poeta. E quem as não tem? Quem nunca as escreveu? Gostei de ler-te no auge da paixão. Achei graça. Apeteceu-me passar os meus dedos pelos teus cabelos, e fazer-te uma careta brincalhona, se fossemos amigos.
Numa tarde faltei no emprego, para te ir ver pela primeira vez. Não por seres famoso, não por escreveres livros que te deram notoriedade mundial - se eu não consigo ler-te neles?, mas queria ver-te de perto. Escutar a tua voz. Cheguei atrasada, não havia lugares próximos da mesa onde estavas sentado, ainda espectador de nós. Sentei-me nas escadas. Ali fiquei até ao fim do tempo que nos deste, no incómodo da minha posição, a mão amparando-me o queixo e os dedos a esconderem os meus lábios que desenhavam um sorriso tímido. Foi quando me apaixonei.
Mais tarde, voltaste. E eu voltei a repetir a falta no emprego, desculpa mal amanhada, quis ver-te e ouvir-te de novo. Desta vez era uma coisa mais solene e vistosa, um congresso internacional dedicado à tua pessoa. Foi aí que senti a primeira picada, o primeiro senão. Mas a minha paixão já era amor e o amor persiste. Não é?
Foste arrogante e presumido. Verdadeiro.
[ainda que todas as rosas tenham espinhos, continuam a ser belas]
Foste amor e generosidade. Vislumbrei o romantismo escondido, que eu ainda não apreendera, estava nas tuas palavras, ali. A doçura inteligente na capacidade de expores a tua humanidade, sem pudor, ainda que pareça lá estar. O meu amor cresceu.
Em tempos, embaraçava-me a possibilidade de me dizer apaixonada por ti, sem cair no rídiculo. Não faz sentido esconder um amor platónico. Estranha, esta tendência de tudo compartimentarmos de forma estanque, como se o amor não contivesse em si, mil possibilidades...
Eu não era tua fã, não o sou hoje, encantei-me pela tua pessoa, pública, é certo, mas que relevância tem um detalhe em que a única coisa que interessa, a única válida, está na possibilidade de ter-te conhecido. Vi-te, escutei-te, li-te, sem os livros, apaixonei-me. Brinco com isto, revelo-o a alguns amigos, e sei que não me levam a sério, ainda bem.
Mas hoje quero escrever-te estas palavras, são para ti, não sei o valor delas, sequer se são ridículas, talvez o sejam, como todas as cartas de amor, mas desejava oferecer-tas, o meu inócuo segredo. Precisava mimar-te, depois de te ter lido, esta última vez.

Évora, 17 de Abril de 2007
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8 comentários:

Pedro Villa disse...

Uma carta pseudo-amorosa, sem desprimor claro, exposta ao público de «Uma Voz Na Pedra»...

Gosto da perspectiva ficcionista da coisa, da sinceridade e da ingenuidade (juvenil) diria... «Todos temos uma criança dentro de nós» quanto mais um adolescente ou jovem!...

Quanto ao amor platónico ainda que acredite ser metafórico (ou não), diz-me quase tanto como o amor incondicional que uma vez já discutimos... Por isso, nem tento ir novamente por aí... :))

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Pedro Villa disse...

Esqueci-me de perguntar se podemos saber quem é o felizardo...

Só para ter uma noção do teu (bom)gosto!... :P

kataklismo disse...

É o Lobo Antunes, esse embirrante vaidoso.

Anónimo disse...

E, para além disso, invejoso...

G.Slade

Pedro Villa disse...

silk,
acho que parte do Universo masculino do teu blog ficou com inveja... lol

Mas tb tenho que concordar com alguns dos adjectivos 'carinhos' com o qual foi 'mimado'... :)

Anónimo disse...

Não aposto no Lobo (antunes), aposto no Peixoto (Luís).

Questão de zoofilia esta (e ainda dizem que não há perversão)mas enfim...

Mais importante: agora sim, Muito bom texto!!

Anónimo disse...

Silk: eu estou agora a ler a "Carta de una desconocida", de o Stefan Zweig. Näo conheço ao teu destinatário, mais o personagem da novela tambem é escritor. Hoje a manhä lembre-me de ti, de inmediato... Mais encontro ainda mais bela a tua carta. Ficou muito linda, realmente. Boa sorte na pesquisa (p'ra ele, claro) ;p

Anónimo disse...

Carmen, bonitas são as tuas palavras..:) Obrigado. Esta carta escrevi-a de impulso, como se de uma necessidade física se tratasse.