sexta-feira, setembro 24, 2010

estado líquido

"Bem-vindos ao vosso estado gasoso

Para falar disto a que difusamente chamamos "tempos de incerteza", um importante observador, o sociólgo Zygmunt Bauman, recorre à categoria do estado líquido (por oposição à solidez representada pelos estados de certeza). É como se, de repente, tudo perdesse consistência e se tornasse liquefeito. Os títulos de alguns dos seus livros, parte deles já traduzidos em português, são elucidativos: Modernidade Líquida (2000), Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos (2003), Vida Líquida (2005), Medo Líquido (2006), Tempos Líquidos: viver na idade da incerteza (2007). Bauman explica deste modo o conceito que encontrou para transcrever o que vivemos: « A sociedade moderna líquida é aquela em que as condições de actuação dos seus membros mudam antes que as formas de actuar se consolidem [...] A liquidez da vida e da sociedade alimentam-se e reforçam-se mutuamente. A vida líquida não pode manter o seu rumo durante muito tempo[...] É uma vida temporária e vivida em condições de incerteza constante.» Sintomáticas são também as antinomias que ele utiliza: velocidade e duração; consumação e consumo (« a vida líquida é uma vida devoradora. Olha para o mundo e para todos os seus fragmentos como objectos de consumo»); valor real e valor instrumental («a vida líquida dota o mundo exterior de um valor puramente instrumental»).

O filósofo Yves Michaud continua o diagnóstico de Bauman e descreve a nossa época como um «estado gasoso». Este, defende ele, é o tempo das percepções evaporadas, das atmosferas cada vez mais sem contornos, dos estetismos difusos e globais. Isto corresponde  na cultura à era do entretenimento e da «turistização». As artes e a cultura passaram a definir-se maioritariamente como acontecimento e espectáculo. Assistimos nessa linha ao triunfo das bienais, dos festivais mais diversos, das festas disto e daquilo. As aventuras singulares, o «artesanato» do espírito que ainda persista é remetido para um limbo de indiferença. A febre é a da exaltação das percepções, do multissensorial. O próprio consumo, avisa Michaud, tornar-se-á tendecialmente mais de experiências do que de produtos. The answer is blowin' in the wind? "

in O Hipopótamo de Deus e Outros Textos, José Tolentino Mendonça, pág. 71 e 72, Assírio & Alvim, 2010.

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