segunda-feira, novembro 01, 2010

filmes

ontem, enquanto esperava sentada na cadeira de rodas (nunca tinha andado numa) para ser vista nas ugências do s. francisco xavier, observava atentamente aquela gente que por ali andava nos corredores, um entra e sai de médicos, enfermeiros, auxiliares, pacientes e acompanhantes, bombeiros e outros não identificáveis e imaginava-me a trabalhar ali, ou em outro hospital, sítios que, apercebo-me, exercem em mim um certo "fascínio" que nunca pensei ter mas, afinal, parece que tenho. sou fantasista desde pequenina e sempre gostei de séries televisivas com médicos e hospitais e posso bem estar a confundir ficção com realidade mas parece-me que não é bem  isso. também não sei o que seja, e consigo vislumbrar as diferenças entre o meu centro de sáude e as minhas parcas visitas ao médico e entre os hospitais que conheço mal, e as séries com os médicos giraços, as cenas quentes na arrecadação de material, as tricas e a ironia do House em gabinetes de fazer inveja a um secretário de estado cá do burgo, o frenesim da chegada dos feridos ao banco de urgências no ER, as crises existênciais da Meredith anatómica, e por aí fora...nada de confusões, sei bem que os nossos hospitais e médicos são muito menos glamourosos e as histórias picantes são muito mais banais que as das séries da TV. mas pronto, imaginava-me trabalhar num hospital. a fantasia da minha personalidade pouco ambiciosa e preguiçosa transfigura-me numa enfermeira dedicada e paciente, atarefada e empenhada,  a passar bisturis a cirurgiões em salas de cirurgia de um hospital grande e urbano, e por isso mesmo, por ser pouco ambiciosa e preguiçosa, a não ser antes a médica que pede o bisturi para abrir a barriga do paciente - isso seria sonhar demasiado alto, embora seja pessoa de ver entranhas sem desmaiar quase de certezinha ainda que nunca tenha visto ninguém com os intestinos de fora. dizia eu que, enquanto esperava (para ser vista por um ortopedista cheio de ironia e muito charme e levar uma injeçãozinha no rabiosque dada pelo enfermeiro mais giraço que até hoje vi) pensei que devia ter estudado para trabalhar num hospital, onde se calhar haveria mais adrenalina, mais sensação de utilidade pública, maior proximidade com os problemas reais do outro, mais realização pessoal, mais qualquer coisa ainda que não saiba explicar que coisa é essa. e depois, teria um curso muito específico e útil em qualquer parte do mundo e metia-me na AMI e ala por esse planeta fora. sonhar não faz mal pois não? foi nisso que pensei enquanto a minha mãe ia dizendo o que sempre disse "odeio hospitais, fico tão nervosa" e fica realmente transtornada enquanto eu a acalmo, como fiz da outra vez que fui operada ao olho, a minha calma é estranha, e obviamente nunca tive nada de grave e sério mas é como se confiasse irracionalmente naquela gente, naqueles sítios de curar e morrer, de nascer e perder, e sei o quão mal dizemos deles e do SNS e muitas das vezes com razão. mas sei lá, sei que teve piada que o médico tivesse exactamente a mesma ideia que eu quando pediu para a minha mãe entrar na sala e "vamos pregar um pequeno susto à mãezinha.." com um ar de ironia irritante mas que a mim me divertiu, e não foi ele mas fui eu quem lhe deu a notícia falsa que ele imediatamente corrigiu mal me deixando acabar a frase, porque foi só a brincar e ela mal teve tempo de ouvir bem, pelo que nem se assustou e ainda bem, era mesmo só brincadeirinha porque o humor tem que entrar nestas coisas, mesmo quando são sérias, que não era o caso. o caso foi que me deu uma dor lancinante nas costas e fiquei especada no meio de um centro comercial em plena tarde de domingo chuvoso, sem me conseguir quase mexer, mal andar e respirar, irra, que dorzinha lixada, mas por enquanto, parece que não foi nada de sério e grave, e por isso o tom leve desta crónica.
no final da história eu teria apenas uma lombalgia de esforço (diagnóstico primário do médico charmoso e irónico, senhor para ter aí uns 15% de personalidade Dr House) e de novo entraria naquelas urgências por um qualquer motivo light, o mesmo médico iria atender-me e apaixonava-se por mim e eu por ele, o enfermeiro seria convidado para o casamento (mais tarde, muito mais tarde, quando eu e o Dr House tuga já estivessemos um bocado fartos de ir para a arrecadação - sim, eu entretanto tirava o curso de enfermagem e seriamos colegas embora mal nos vissemos porque a minha especialidade seria cirurgia e a dele apenas a ortopedia (!) e então aí, o enfermeiro do 1,90m teria um caso tórrido comigo que duraria apenas 5 meses porque apesar de tudo o meu amor era o ortopedista charmoso e gozão) e viviamos felizes para sempre com os nossos salários do SNS, pois nem eu nem ele exerceriamos clínica privada por acreditarmos no SNS e sermos de esquerda radical e os nossos princípios incompativeis com práticas médicas burguesas. historieta gira, não?
viver no campo dá  nisto..

The End

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