quarta-feira, março 02, 2016

Eduardo Lourenço, entravado de início pelo ónus da idade, converte em viço a sua voz, para concluir a leitura emocionado:
“A lua subiu ao céu quente, a sua água escorre-me agora pelo corpo. Lavo nela as minhas mãos e é como se me purificasse num tempo anterior à vida, num luminoso halo de coisas por nascerem. Súbito, neste silêncio mineral, a porta da sala range e o vulto de minha mulher, o seu corpo franzino, esfuma-se na sombra. Senta-se ao meu lado, estende os pés ao luar ...
sem dizer nada: ao fim de muitos anos aprendemos a verdade, na aparição da graça, num limiar de presença, antes que sobre a Terra fosse pronunciada a primeira palavra. Tomo as suas mãos nas minhas e no deslumbramento da noite abre-se, angustiada, a flor da comunhão…”.
No fim, comovido, eu comovida, a sala toda devia ter ficado emocionada, se não ficou, e para Lídia Jorge: “Ele sabia escrever sobre as mulheres, Lídia” e ela encosta o seu rosto no ombro dele, enquanto ele a conforta com uma carícia paternal.
Este momento retive-o da leitura do prefácio de Aparição, por Eduardo Lourenço, em jeitos de encerramento do Congresso Internacional Comemorativo do centenário do nascimento de Vergílio Ferreira, organizado pela Universidade de Évora.
Se a intervenção de Lídia Jorge focou, entre outros, o sentimento de Vergílio Ferreira perante a condição feminina, predicado da sua geração, como ela frisou, e do seu tempo, e que sobre as mulheres nem sempre teceu laudatórios comentários, sobretudo perante a apropriação feminina do Romance e quiçá preocupado com a capitulação do mesmo, não deixou também de finalizar que devia ao escritor o seu rigor e aprendizagem, e que ele fora a primeira pessoa a quem ela dera a ler o seu primeiro Romance e sobre o qual ele escreveu e publicou comentário num jornal.

(a ler Aparição, finalmente, e inquieta para partir para o próximo. depois, Lídia Jorge.)
 

Sem comentários: