quarta-feira, fevereiro 08, 2017

Emocionou-me, a visualização do documentário Vida Activa: o Espírito de Hannah Arendt, de Ada Ushpiz.
Em primeiro lugar, porque foi com base num artigo escrito por esta pensadora que apresentei a minha tese final de licenciatura: um “paper” com 30 páginas, sobre a Desobediência Civil, que foi um tiro no escuro. Um tiro no escuro mas com a supervisão do meu Mestre, Silvério Rocha e Cunha, por quem costumo dizer que valeu a pena estudar sociologia na Universidade de Évora.
Em segundo lugar, porque a biografia da pensadora política brilhante que foi Arendt, transposta em imagens, em formato de documentário, é um objeto absolutamente irresistível. A vida dela enquanto “objeto” de assombro, reflexão, admiração e surpresa; o documentário, porque me permitiu observar e conhecer mais um pouco a autora.
Hannah Arendt é daquelas pessoas que surgem na face do planeta como um bicho raro. Porque a inteligência servida em doses elevadas é algo que não encontramos a cada esquina. Porque os percalços e percursos de Arendt são extraordinários: os tempos que viveu foram extraordinários, a fuga ao Holocausto (com H maiúsculo, pese embora também não considere impossível vivermos de novo Holocaustos e não será pernicioso pensarmos que o que se passou entre 39 e 45 do século passado foi o culminar do Mal?) marcou inevitavelmente o seu percurso como pessoa, como mulher e como pensadora (Arendt não gostava de ser designada como filósofa). O percurso académico, a relação com Jaspers, as relações com os maridos e Heidegger, a passagem por Paris, o exílio final nos EUA, a terra onde encontrou tamanha diversidade, que a acolheu. O julgamento de Eichmann e a ostracização de Arendt pela comunidade judaica, também dos EUA, com a célebre polémica gerada em volta da noção de “banalidade do mal” enunciada a partir do julgamento do nazi Adolf Eichmann, em Jerusalém, a que Arendt fez questão de assistir.
Arendt era judia, filha de não praticantes, numa certa fase da sua vida trabalhou em prol da comunidade judaica, mas encontrará incongruências no processo que conduziu ao estabelecimento do Estado de Israel – afinal de contas, os palestinianos estavam lá, na Palestina… "levanta-se a questão moral e política da coexistência do Estado de Israel com os seus vizinhos árabes" (in Soun and Vision, João Lopes).
Foram mais de 2 horas de filme, numa síntese que a Midas Filmes apresenta desta forma: "A filósofa alemã Hannah Arendt causou polémica na década de 1960 ao desenvolver o conceito subversivo da "banalidade do mal" referindo-se ao julgamento de Adolf Eichmann, sobre o qual escreveu para a revista The New Yorker. A sua vida privada não foi menos controversa graças ao seu caso amoroso com o célebre filósofo alemão e apoiante nazi Martin Heidegger. Este documentário provocador e arrojado, com base numa vasta quantidade de materiais de arquivo, oferece um retrato intimista da vida de Arendt, viajando pelos lugares onde viveu, trabalhou, amou, e foi traída, enquanto escrevia sobre as feridas abertas dos tempos modernos".
Sobre o conceito mais polémico entre centenas que desenvolveu, a Banalidade do Mal, muito se escreveu, disse e pensou, muito se há-de continuar a escrever, dizer e pensar, creio.
Arendt, com aquele ar de mulher que não tem tempo a perder com o supérfluo, segura de si, irónica, com um humor que eu lhe desconhecia, sinal do caráter de quem sabe o seu lugar no mundo, uma perfeita consciência de si, dos outros e do ridículo que por vezes a vida é (riu desbragadamente com frases de Eichmann, o burocrata incapaz de imaginação, contudo, um exemplo de funcionário público obediente e eficazmente inteligente, diz ela: inteligente mas estúpido. O "clown"!)
 Arendt, dizia eu, foi sem dúvida um ser extraordinário, brilhante, controverso, errante, humano. O que me leva a refletir na falta de heróis na minha vida, de pessoas que sejam capazes de me deixar assoberbada, orgulhosa, perturbada, encantada, esperançosa. Haja os livros e o pensamento, que tenho anos para me entreter.
NOTA – O documentário em apreço, estará até hoje no cinema Ideal em Lx, mas pode ser consultado na internet, num site qualquer perto de si.

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