quinta-feira, outubro 26, 2006

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no baú da memória.. para o meu amigo Rui

Metade

E que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio
que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
porque metade de mim é o que eu grito
a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza
que a mulher que eu amo seja para sempre amada
mesmo que distante
porque metade de mim é partida
a outra metade é saudade.
Que as palavras que falo
não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimentos
porque metade de mim é o que ouço
a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e paz que mereço
que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
porque metade de mim é o que penso
a outra metade um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste
e o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso
que me lembro ter dado na infância
porque metade de mim é a lembrança do que fui
a outra metade não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o seu silêncio me fale cada vez mais
porque metade de mim é abrigo
a outra metade é cansaço.

Que a arte me aponte uma resposta
mesmo que ela mesma não saiba
e que ninguém a tente complicar
pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
porque metade de mim é platéia
a outra metade é canção.
Que a minha loucura seja perdoada
porque metade de mim é amor
a outra metade também.

Oswaldo Montenegro

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