segunda-feira, agosto 23, 2010

é só mais um dia mau...?

ok. a porcaria da síndrome não me passa.
na sexta-feira agarrei na trouxinha - 3 mudas de roupa apenas - e lá fui eu rumo a Serpa. o que havia em Serpa? nada de mais, apenas uma feira medieval a animar a cidade durante 3 dias. mas eu gosto destas animações de sorriso amarelo e...até foi divertido.
fui sozinha, cheguei tarde, encontrei o último quarto para alugar na residencial Virgínia e fui passear pela cidade. dizem que sozinhos estamos mais expostos, mais vulneráveis, mais disponíveis, mais simpáticos, mais atraentes ao olhar e atenção dos outros. dizem que sim e eu acredito. conheci o Dryss, que me ofereceu tagine. recusei por educação mas combinei voltar no dia seguinte para um chá de menta. voltei no dia seguinte e bebemos chá, comprei-lhe uma carteira com 3 euros de desconto e conheci os outros marroquinos, o peruano, o tunisino, o minhoto...e valeu a pena a minha viagem. nessa noite já tive companhia de uma amiga, mas sei que ficaria bem sozinha com os meus amigos muçulmanos, em fase de ramadão. foi bem porreiro falar com eles, sobretudo com o belo, com o surfista e mais tarde com o peruano. sim, havia um belo, e um surfista e um peruano sabido e cheio de humor (grande análise sobre as mulheres portuguesas, espanholas e italianas) mas do que gostei mesmo foi do que me contaram, da forma como o surfista me descreveu o jejum, os desportos que praticava, as ondas, as praias de Agadyr e o surf, a sua descrição dos efeitos do jejum, a sua pose séria com o prato de tagine à frente e nunca lhe tocou enquanto ali estivemos sentados à porta da sua "tenda" até às 3 e tal da manhã. tinham tapetes lindos e caros para o meu bolso, baratos para o que representam. mas nunca nos impingiram nada, perceberam logo que não tinhamos dinheiro e foram simpáticos, cordiais e conversadores. o belo descreveu-me a sua visão dos europeus sem altivez, mas com a noção clara de que nós não somos os "desenvolvidos". e eu fiquei com a noção clara de que nós não somos, efectivamente, os desenvolvidos. falou-se das poses dos povos. gostam dos portugueses. falou-se do deserto e da sua beleza, do impacto sobre nós. dos berberes. o belo era berbere. os berberes são belos. falou-se da imaginação e criatividade de quem tem tão pouco. do artesanato. tão pouco temos nós, ao pé deles. senti-me parte de uma parte de uma Europa pretensiosa e idiota. senti-me parte de uma parte cheia de ideias pré-concebidas como as que tinha. lembrei-me da experiência da minha amiga há uns dias em Agadir e da família que a acolheu e acarinhou. nunca fui a Marrocos mas tenho a certeza que irei. agora sei. e também sei que há quem ache aquilo perigoso, e pode ser, como a nossa A25 em dia de nevoeiro. e sei bem que nem tudo é belo, mas a palavra e a honra da palavra, a forma como os jovens vivem o ramadão - quem dos meus amigos passava um mês sem comer e beber até ao pôr do sol, sentindo na pele a necessidade e carência dos que pouco têm, sentindo como é viver com quase nada, limpando corpo e espírito de todas as impurezas que deus também deixou aos homens? no fundo, a minha foi uma viagem de contemplação e admiração, de respeito pelo diferente, e sobretudo, de carinho e tolerância. ninguém se atirou a mim, os elogios fazem parte da coisa e de forma respeitosa, estivemos ali a conversar e a trocar umas ideias sobre factos da vida, do mundo e da humanidade, não como amigos que não somos, mas como gente civilizada e educada que partilha o mesmo céu e o mesmo mar. e chega.
depois deste fim de semana é claro que a minha síndrome se agravou quando confrontada com os ofícios e actividades do serviço público que sirvo. estes cada vez mais me mostram que não fui feita para estar atrás de uma secretária a chamar a atenção de instituições para cumprirem as suas obrigações para com quem lhes paga - todos nós - ainda que isso seja necessário e tenha de ser feito, porque é assim que a minha sociedade se organiza e quem sou eu para agora discorrer sobre a validade deste funcionamento...o que eu sei é que devia estar em Agadir, debaixo do céu que nos protege, o tempo suficiente para conhecer o que me seria necessário conhecer e partir de novo para um outro lugar. porque eu só estou bem aonde não estou.
que "isto" me passe e eu volte de novo a entrar na engrenagem, de preferência sem pensar muito sobre a mesma. OXALÁ.

Sem comentários: